domingo, janeiro 1

. losangolinos .

jô,

mais solitária é a minha voz quando você me esquece. nem pôde perceber o quanto rouca ela anda ficando. se não fossem os meus cabelos tão firmes, acreditaria que minhas temporas também envelheceram. aí você se dá conta que já me esqueceu por muito tempo e está na hora de voltar a me lembrar. você tem essa idéia boa e cheia de vontade de que lembrar não é só ter imagens, sons, cheiros e impressões de outra vida dentro da cabeça. lembrar também é perguntar "como vai?", "ainda anda apaixonado pelos mesmos velhos amores?", "lembrei de você um dia desses... lembra-se de mim de quando em quando?". e quando minha voz rouca cessa, quando meu cabelo firme nem soa tão titânico, você respira aliviada porque não precisa saber tanto ao meu respeito para manter as suas flores diárias.

e para falar a verdade, eu mesmo penso essas coisas, não porque eu me importo com seus esquecimentos -- já deixei de me importar com muita coisa que me fazia sentido bom. mas penso nessas coisas como um exercício, um olhar atento, um radar para ver se eu mesmo faço isso com quem quero bem. porque eu sei que me quer bem e sabe da minha competência da beneficância. eu observo as pessoas que esqueço e me volta as mais estranhas lembranças. memórias que nem sabia que me pertenciam. até então, era um outro que pretendia não esquecer, um outro eu que não conhecia a ação do tempo nas carnes e nas almas.

o mais difícil para mim, jô, é achar que você não tem jeito para mim. assim como eu não tenho dedos hábeis para suas costas. se a minha voz rouca pudesse ser concretizada em movimentos mais incisivos não poderia massageá-la ou aliviar a fadiga.

a minha voz é apenas essa que se faz e se desfaz como todos os amores que você já teve.

Nenhum comentário: