quinta-feira, setembro 25

a véspera da solidão

as cortinas chegaram havia algumas horas; permaneceram empacotadas até que regina acabasse de arrumar a mesa e louça. na grande janela da sala, a luminosidade esvaía e regina considerou que era hora de colocá-las. desde que voltou ao apartamento há cerca de três anos, as cortinas foram os últimos itens a serem trocados. não havia, agora, mais nenhum vestígio de quem ali morava. mesmo a arquitetura havia se transformado com a queda de duas paredes e a incisão de novas janelas. as portas receberam protetores de insetos e as lâmpadas foram trocadas ou simplesmente desligadas.

pegou um pequeno banco, uma cadeira e fez uma pequena escada que alcançasse o suporte das cortinas. tirou-as do pacote e ficou analisando por alguns minutos o quão translúcido eram. projetou-as no ambiente, fez estimativa de como nova luz filtrada estaria pela manhã. pensou que seria bom se a luz pudesse projetar nos outros móvies os relevos do pano que ela sentia bem nas pontas dos dedos. depois achou que era um pensamento muito bobo.

escalou sua pequena escada com a cortina sobre o ombro. colocou-a com uma facilidade inesperada e pode com o tempo ganho admirá-la de cima. às vezes, ao olhar através dela para a paisagem contínua, algumas imagens de um passado quase ficcional lhe passavam com pequenos flash, quase se confundia se teriam sido reais ou não. oscilava. ao se virar para a sala, já se preparando para descer, teve uma visão. começou a enxergar uma sala que até aquele momento não havia visto mas ao mesmo tempo estava sempre presente.

cada parte, cada conjunto, cada objeto iniciou uma governança nova. deixaram de substituir pequenos sentimentos antigos para criar horizontes próprios. regina não os reconheceu e pouco a pouco, quando descia da cadeira, sentiu-se como estrangeira. pela primeira vez, em sua própria casa, percebeu que caminhavam para um lugar incerto e que medo haveria, mas estava preparada. começou a refazer os laços com a casa, visitou cada aposentou com cuidado e tempo. ao invés do frio natural dos objetos, pode sentir o seu calor em trânsito. a casa enfim a possuía.

amanheceu e a cortina agiu como um filtro. os raios bateram suas costas, por hoje, não queria encarar o sol. sentiu-se luz tatuar o seu corpo e a sala. observou a sala uma última vez antes de cair no sono: a sala antiga voltou ao seu olhar, mas difusa com a sala nova. viu-se deitada em um sofá inventado dos sofás que teve e gostaria de ter.

quinta-feira, setembro 18

nata

ela não me lembra alguém com certa delicadeza.
ela me lembra a própria delicadeza.

quinta-feira, setembro 11

. banco de parque .

no céu havia um rio sinuoso.
na terra as nuvens clareavam o caminho.
no banco, um jornal de um dia qualquer
esperava a notícia se tornar memória.
o menino que pegou para fazer barcos
tornava-o imaginação.

navegavam os navios no céu.
projetadas as sombras, as nuvens escureciam.
enquanto o mar se fazia em chuvas,
os barcos eram levados pelas ondas
que o menino fez com o estampido
de sua alegria feroz.

com a cabeça cheirando o céu,
espero o rio me levar.
mas o menino me pregou uma peça:
nestas águas, o tempo não é soberano
e o que passa é apenas notícia.

quinta-feira, setembro 4

. último desejo .

não me tornem fantasma das tuas lembranças.
deixe-me ser as pausas das cantigas de roda
que se transformam nas vozes de quem chega.

terça-feira, setembro 2

do amor #04

declarações de amor em canções de ninar


à la claire fontaine
m'en allant promener
j'ai trouvé l'eau si belle
que je m'y suis baignée

il y a longtemps que je t'aime
jamais je ne t'oublierai

sous les feuilles d'un chêne
je me suis fait sécher
sur la plus haute branche
un rossignol chantait

chante rossignol, chante
toi qui as le cœur gai
tu as le cœur à rire
moi je l'ai à pleurer

j'ai perdu mon ami
sans l'avoir mérité
pour un bouquet de roses
que je lui refusai

je voudrais que la rose
fût encore au rosier
et que mon ami
fût encore à m'aimer

. na fonte clara

na fonte que clara
eu vou passear
acho a água tão bela
que vou me banhar

há muito tempo que te amo,
jamais te esquecerei.

no alto d'um carvalho,
eu me sinto segura.
sobre o mais alto galho,
o rouxinol faz seu trabalho.

cante rouxinol, cante,
teu coração vive,
teu coração sorria…
enquanto o meu ardia.

eu perdi meu amor
sem saber o que causei,
por um ramo de rosas
que não lhe dei…

eu queria que a rosa
fosse plantada,
e que meu doce amigo
fosse assim amado…

eu queria que a rosa
fosse assim cortada,
e que a própria roseira
fosse assim plantada…

segunda-feira, setembro 1

rita apoena

http://www.pequenascoisas.org/

pergunto qual a forma, substrato ou timbre que esta retina tem para ver o mundo com tal poesia. há anos alguém me disse que a poesia não deixa as coisas maiores do que são, mas deixa a gente voltar ao nosso lugar no mundo. como diria paulinho da viola: "voltar quase sempre é partir para um outro lugar".

aí penso: poesia deve ser quando a gente se movimenta e acha que perdeu a estabilidade do olhar, mas na verdade acaba enxergando diferente as coisas.