domingo, abril 26

mecanismo

observo o mar.
me afogo em pensamentos.
o coração pesado ajuda a afundar.
no ritmo pendular das ondas,
eu refaço as trajetórias
dos amores que se foram.
este também há de ir,
como todas as coisas
que enfrentam o mar.

o mar é esquecimento.

quarta-feira, abril 22

fotologs portugueses

gosto de ficar a navegar pelos fotologs portugueses. é como se houvesse um mundo paralelo com diferenças pontuais. neste mundo inclina-se mais a poesia do que a prosa.

coimbra, setubal, santarém, porto, lisboa. não sei o que significam. deve haver inúmeros portugais também. o que eu procuro nestas fotos? pergunto-me.

como percebo que de alguma forma portugal caminha entre nós, procuro também uma maneira de caminhar pelas ruas das cidades portuguesas e deixar-me ser paralelo às coisas.

terça-feira, abril 21

solidão

acho que ela dá forma tantas formas a sua solidão porque é um jeito de esquecer. mas aí ela se perde na confusão de esquecimentos. então ela me pergunta transtornada:

-- você consegue compreender o que se passa aqui, consegue? é como se houvesse uma cidade cheia de pessoas com inúmeras histórias mas sem ninguém para ouvir. você compreende?

e eu percebo pelo jeito que ela olha para minhas mãos que ela teme que eu compreenda porque compreendendo talvez ela não estivesse mais só.

e ela passaria a ouvir todas as histórias da cidade.

. helix .

percebo que a vida não se repete de modo cíclico, mas espiralar. revejo situações semelhantes, mas inclinadas a outros humores. cada dia que passa a idéia de reencontros me parece bastante absurda. não vemos a mesma pessoa, ela sempre será uma outra que você reconhece por pouco. a outra pessoa dirá que você é o mesmo de sempre embora todas as mudanças.

penso naquelas pessoas que se jogam e que tentam planar em outros momentos deste espiral. depois penso naquelas que conseguiram para depois me ater naquelas que não conseguiram.

penso bastante nas que não conseguiram.

. the universal .

se cada pessoa é um universo, onde estou em mim?

sexta-feira, abril 17

fade out

aos poucos e com moderação, vou desaparecendo.
até que eu me perca nos achados das calçadas.
e que a lembrança de mim seja apenas um suspiro alheio
como quem tosse por causa da infusão da cidade.

domingo, abril 12

relationship

quase não falo com meu coração que meu coração parou de falar.

sábado, abril 11

. floating space .

qual foi o exato momento em que você me deixou passar?
antes de me beijar a testa ou se perder em seu trabalho?
entre estes dois momentos houve um abismo,
perdi meu chão e não soube de mais nada.

assim que souber, toco o chão.

betânia

agora eu tenho uma revisora. ela se chama betânia. não tem qualquer afinidade com as novas regras gramáticas. aliás, não tem nem com as velhas.

mas faz perguntas com bastante propriedade.

- márcio, por que você não vai falar com a moça lá?
- que moça?
- a moça que você fala no seu blog.
- mas não tem moça, são só palavras.
- se só são palavras por que você fica tentando caprichar nas concordâncias? você não é disso.

terça-feira, abril 7

. breathe .

francisca tinha 31 anos e estava morrendo. durante sua vida ela respirou muita saudade e tinha os dedos intoxicados. tudo quanto podia tocar, tocava para que exalasse sentimentos. foi assim desde sempre.

desde o conhecimento da falência de francisca, quase todos os seus conhecidos se afastaram. "preparam o luto", dizia. somente abelardo insistia em visitá-la.

-- por que não desiste de mim querido abelardo? perguntou francisca cheia de serenidade.

abelardo pegou sua mão, sorriu com amor desigual e respondeu.

-- eu nunca vi alguém morrer de saudade, querida francisca. e acho que você também não.

domingo, abril 5

pequena diva

ela morava em uma caixa de contra-baixo.
não emitia quase nenhum som grave.
tentava desta maneira se fazer presente,
aprendendo o formato dos sons
que são mais sentidos pela pele do que pelos ouvidos.

flame

você me encontra quando estou sozinho comigo.
e vai tomando as minhas conversas e as formas de pensar.
diz que todas as mulheres se parecem contigo
e que todos os sotaques são seus.

então me refugio em palavras alheias, braços.
faço-me acompanhado, presto atenção em outras coisas.
ouço músicas que não pertencem ao nosso cíclo.
e falo bastante para evitar sua voz quando me calo.

mas você me queima. porque sozinho costumo acender coisas.
sozinho, seu calor me invade. procuro o frio das bebidas,
as sombras refrescantes, o chuveiro em posição de inverno.

você é um sol engolindo um planeta solitário e distraído
que não sabe mais gravitar.

quinta-feira, abril 2

as cidades

fiquei na cidade somente um dia. havia chegado a noite, hospedei-me em um hotel bem simples. jantei no restaurante a frente. depois, como não era tão tarde resolvi caminhar. cheguei a praça principal e estava cheia. foi uma visão profundamente bucólica de algo que nunca conheci.

sentei-me em um dos disputados bancos. estava esperando um telefonema. estava pela cidade para uma visita surpresa a uma amiga e deixei recado em sua caixa postal. talvez estivesse ausente da cidade, mas não pude evitar de ir e conhecer os seus lugares.

porque tenho mania de guardar detalhes bobos. lá estavam, em frente a praça, as duas salas de cinema que ela havia comentado que sempre exibiam filmes opostos. o gramado a esquerda da igreja, um ponto de encontro. a sorveteria com bolas a preços acessíveis. e o céu estrelado.

ela acabou me ligando pela manhã. passei o dia com ela visitando os lugares. mais a noite, estava na rodoviária para voltar a são paulo. ela se desculpou pelos pequenos causos do dia. o cachorro cego, a poeria da cana de açúcar queimada ao longe, a visita inesperada a um aeroporto.

eu disse que não foi nada. que mais que a cidade, foi sentimental conhecê-la em sua cidade. seus chinelos, a segurança que dirigia, os livros preferidos que não trouxera para são paulo, a escola dos seus amores, o palco de sua estréia.

uma cidade dentro da outra.

quarta-feira, abril 1

. fernanda .

fernanda pedia com certa tensão um fósforo. os presentes reconheciam seu desespero, mas respeitavam as regras do lugar que proibiam que se fumasse.

fernanda tinha problemas com memória. ela, a memória, se utilizava de métodos e critérios próprios para seleção.

mas um fato era de lembrança constante: sua mãe que era costureira de mão cheia e amor. dizia:

- estes fios modernos não se fixam ou entrelaçam com naturalidade. devem ser cauterizados com uma pequena chama.

naquele momento o que fernanda queria era cauterizar parte de sua mochila que havia rasgado para que suas coisas não se perdessem.

heartache

seu felipe tinha 43 anos e era uma pessoa só.

por exigência trabalhista, foi necessária uma visita ao médico.

- o senhor tem um leve problema no coração.
- diga algo que eu não saiba.