quinta-feira, fevereiro 28

. fever .

não me lembro-me bem de você. acredito que seus cabelos tenham sido mais longos embora assim curtos soem bem. você costumava usar calças desproporcionais e cheio de cores e algumas pulseiras. nunca vi esse colar em seu pescoço, mas talvez já tenha visto em sua mãe. do seu pai eu me lembro de uma gravata de um pano incerto que desfazia o nó. era um pano que não era para gravatas porque não enfeitava e não prendia. mas era um tecido que cabia em você. se não fosse o corte, poderia fazer uma saia ou algum vestimento de leveza filial.

pedi café. com pouco leite, como gosta.

segunda-feira, fevereiro 25

. haru e natsu .

que sentimento de felicidade é ouvir a língua japonesa em um canal de tevê brasileiro. mais ainda é ouvi-la entre chamadas de comerciais e narração em bom português (tirando o personagem brasileiro que não fala português). infelizmente não dá a idéia do quanto é complexo este sentimento de transitar em culturas tão singulares.

mas se você teve paciência de assistir a este melodrama, deve ter vontade de transitar também.

sábado, fevereiro 23

. discurso de outono .

não que não a amasse. ao contrário, amo-a de forma singular. só não poderia ficar com ela como um casal. por quê? pelo simples motivo de que ela não me ama. aliás, ela ama outro. se é casado, um fantasma ou apenas alguém que não lhe corresponde nada muda o fato de que aos seus olhos sou apenas alguém que a luz não atravessa. não enxergará além.

sim, sim. a história possui exemplos de casais que não se amavam; ou que cabia a apenas um a particularidade do amor. não são tão comuns quanto os casais que se amavam ou que buscavam a realização. há na natureza do casal a felicidade mútua. é das invenções mais generosas, não concorda?

não me incomoda o fato da não-correspondência. esta falta já me levou o que podia. já levou o amor demais do qual me orgulhava e me deixou o amor possível a quem acompanho. às vezes, tento fazer ciúmes a ela com meu amor possível, em vão. também não me importo com seus amores demais.

um amor demais pode transformar a não-correspondência? já me peguei várias vezes pensando nisso. se é possível provocar o calor com calor alheio. houve uma época que eu acreditava que a concepção do amor não possuia qualquer relação com as coisas humanas; quase uma divindade ignorante possível.

mas os amores foram esvanecendo. no começo, eu acreditava que a lembrança era a prova da eternidade do amor; mas a memória também se esvai.

eu amo assim: a mercê do tempo. desta forma, ela me atravessa sua angustia por não me amar me envelhece e troco a elasticidade pelo possível.

segunda-feira, fevereiro 18

. fala comigo doce como a chuva .

estou rabiscando alguns roteiros de curta-metragem. peças curtas focando texto e ator. coisa fácil de produzir. tennessee williams tem algumas peças curtas muito boas. estou adaptando este "fala comigo doce como a chuva". já havia pirado em "um bonde chamado desejo". alguma recomendação?

domingo, fevereiro 17

. heartless .

sou uma dessas pessoas sem tatuagem e sem coração.

quinta-feira, fevereiro 7

. talk about .

não falo muito de mim. já faz muito tempo que tenho deixado de falar de mim. uma ou outra vez falo como um personagem. um eu lírico meio freak e testemunhal. a razão é bem simples: a repetição. já falei muito de mim toda vida e se repetir é uma coisa triste. marx dizia que a vida se repete em forma de tragédia ou comédia. das tragédias já estou cheio e a comédia é um ponto de vista que espero um dia chegar.

mas vamos falar de você: como vai hoje em dia ?

terça-feira, fevereiro 5

. postcard blues .

eles construiram uma casa a revelia dos recibos de aluguel, contas a pagar, cartas equivocadas e iptu. nunca tiveram um teto comum por mais de duas noites. das muitas janelas que se entreolharam, uma ficou fotografada e impressa em um cartão postal que não chegou a tempo. já se mudaram novamente.

ele estava esperando por ela na fila do cinema. não sabia se comprava o bilhete dela junto com o seu. sentou-se em um banco perto das últimas notícias de jornal. ela chegou ofegante e correu para a bilheteria. ele fez um sinal com os bilhetes. ela o cumprimentou e se desculpou pelo atraso.

quando passaram pela bilheteiro, ele ofereceu as duas entradas para o picote. quando se sentaram, ele separou a que estava melhor picotada e entregou a ela. então a janela se abriu e o primeiro fotograma do filme se tornou o primeiro cartão-postal.

ela sussurrou a ele o que estaria escrito naquele cartão-postal. e ele selou com um beijo.

. o carnaval .

no carnaval, eu vivo a melancolia de festejar o fato de que todos os meus amores foram de carnaval.