terça-feira, janeiro 29

. aurea me deve uma dança .

dançar é o espreguiçar da vida, dizia uma amiga que há tempos não vejo. se ela dançava bem? não sei dizer. o que conheço de dança está em meus olhos. o que tentei aprender perdeu-se no meu quadril, joelhos e tornozelos. os passos matemáticos me recordo de alguns, mas a confluência da carne e ritmo, isto não tem memória. eu sei pular e balançar a cabeça.

o fato é que se você é convidado para um baile, há uma grande chance de estar em uma pista de dança. tirando as danças modernas e aeróbicas, não me vejo com talento algum de uma dança a dois. deve ser o tipo de coisa que revela o quanto sou desengonçado a dois.

e estou com tanta vontade de abrir os olhos que o quase convite de aurea para um dança me soa um leve despertar.

segunda-feira, janeiro 28

. canção da menina acrobata .

eu andava pela cidade, a cidade esguia.
perseguindo meio- fios, fios sentimentais.
de prédio até antena, antenas de varais.
procurando alguém que não sei se existia.

os pés embaraçados em cortinas de seda.
nas rendas do vestido, amores bricolados.
atrito vertiginoso do pano em braços e veredas.
a anti-gravidade dos que são bem amados.

a menina acrobata se contorce, está desiludida.
quase ninguém a vê em seus mudos movimentos.
mal sabe ela que eu observo suas acrobacias,
faço leitura, digo coreografias, mas não tento.

segunda-feira, janeiro 21

. sonho com renata .

tive um sonho com a renata. não que eu nunca tivesse sonhado com ela, mas normalmente não costumo lembrar. aliás, é da engenharia dos sonhos um dispositivo para que esqueçamos o fato sonhado quando despertamos novamente neste mundo. talvez seja um modo de caber mais material para a máquina onírica.

depois, passei o dia inteiro pensando nela. em como éramos amigos próximos e como alguns assuntos sumiram das nossas conversas. piadas bobas, assuntos sérios, longas conversas telefônicas.

mas o que me fez lembrar que sonhei com renata não sei bem. a principio pensei que era o vestido que ela usava. acordado, pensei com meus botões e vasculhei o circuito ao lado que cuida das memórias e percebi que nunca havia a visto de vestido. talvez, a máquina dos sonhos tenha estranhado essa criação e a considerou apenas um documento das memórias. assim colocou um post-it avisando da estranheza do fato.

foi aí que percebi: o vestido de renata foi a conversa ao telefone que deixamos de ter.

segunda-feira, janeiro 7

. sobre um azulejo de cordel .

manta de purpurina, bois que voam.
uma árvore melindrou.
as pessoas reverenciam, ornam.
cordel de amor pousou.

sábado, janeiro 5

amores possíveis

eu a olhava e nunca vi além. todo esse tempo, o tempo contado dos relógios digitais, todos esses anos, os anos passados das folhinhas de feliz ano novo, todos esses países e ruas e cidades e eu nunca a vi além.

é como aquele lado do colchão que sempre esteve ali e onde as molas sempre foram receptivas. ou o livro ganho, mas nunca lido a espera.

que possibilidades há no amor além do que amamos? haveria o amor somente no perecível do nosso ser ou é também amor o que nos chega amorosos e dispensamos por falta de compreensão amorosa?

pego-me numa encruzilhada: o amor em mim aos poucos indo e outros tantos, indentificáveis e possíveis, chegando em ondas, senso, acuridade e confluência.

quarta-feira, janeiro 2

. speed of sound .

minha prima me contou esta história de um tempo em que os automóveis usavam a raiva para ser mais veloz: o pai de uma menina chamada julia proibiu o namoro com um vizinho. serafim, o menino dela, roubou o carro de seu pai, um opala cheio de tiques, e fugiram.

o pai de julia mandou a polícia atrás de serafim com uma história de tóxico. a perseguição durou apenas alguns minutos. o opala bateu de frente na parede de uma fábrica de móveis. a minha prima trabalhava na fábrica e era hora de todos irem embora.

o carro encolheu devido a batida. as mulheres gritaram e alguns homens foram socorrer as vítimas. mas não havia ninguém.

como se houvessem atravessado os vidros do parabrisa e depois a parede e depois as máquinas cortantes de dentro da fábrica.

fugitivos que são, o casal ainda é procurado pelo pai de julia. a polícia já se esqueceu. a minha prima faz graça do opala reduzido. e eu tenho vontade de dirigir.