segunda-feira, julho 21

mercedez

mercedez aprendeu a andar tarde e talvez por isso o som dos passos lhe tenha abandonado: esperou e cansou.

assim, quando ganhou seu primeiro par de sapatos, seus pais estranharam que não fizessem som algum:

- é muito magra. parece pena. precisa comer mais.

aos 12, foi chamada de assombração porque chegava aos lugares sem ser notada e saía sem que ninguém protestasse. começou a agir como um.

andava pela cidade e ninguém prestava atenção. trombavam. os poucos amigos que tinha lhe sugeriram roupas extravagantes, mas mercedez não gostava.

aos 15 foi descoberta por um coreógrafo que ficou surpreendido com o fato:

-- é de uma beleza impar.

ela não sabia se saberia dançar. mas seu pai achou coerente e benéfico que a filha tivesse atividades que a fizesse movimentar. foi que em uma das aulas aconteceu algo que fez mercedez ter uma idéia: enquanto ensaiava uma coreografia, percebeu que o sincronismo dos movimentos com as outras meninas soava que os passos, saltos e giros fossem seus de fato. assim quando saiu da aula, começou a prestar atenção nos passos alheios e sincronizá-los aos seus.

aos 18 conheceu seu primeiro amor. era um sambista novo que a viu nesta empreitada estranha numa praça.

- você é a batida que falta, deixe-se sincopar.

então mercedez de quando em quando atravasava ou adiantava um passo.

o sambista foi para o estrangeiro ser mais brasileiro. então mercedez voltou aos passos habituais com um choro triste mas exato.

mercedez fez isso até ontem. deste modo esteve em milhares de sons porque só o som dos passos não lhe cabiam mais.

hoje, sozinha, levantou e se deixou levar ao som de seu coração.

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