quarta-feira, março 25

car crash

a mulher que olha em pânico me atravessa com seus gritos. sei dos gritos pelo estampido de ar que chega em meu rosto. não escuto coisa alguma. estou deitado e percebo alguém protegendo o meu pescoço. quero retribuir com um gesto de buchecha, mas não consigo me mover.

a multidão de curiosos começa a bloquear a claridade do céu... como o céu está bonito especialmente hoje. tão bonito que dá vontade de chorar, mas me resguardo. alguém está cortando minha camisa e me toca o peito com um cuidado de compaixão. das suas mãos, vejo sangue. acho que é meu. penso se há outros que estão na mesma situação, mas não consigo virar o pescoço.

gostaria de lembrar o que aconteceu, mas há um resquício de tristeza em alguma parte de mim. talvez estivesse muito absorto e tenha causado um acidente. espero não ter ferido mais ninguém. quero recuperar meu último pensamento e começo a me irritar com a dificuldade. há alguns meses esse esquecimento súbido havia se apoderado de mim de forma medicinal. mas agora é uma peça que me faz falta danada.

já posso ver no rosto de alguns as luzes da sirene. não consigo avaliar se foram rápidos, sei que estão ficando intensas. azul, vermelho, azul, vermelho. essa alternância acelera minha mente, começo a ver pessoas que conheci. passam rápidas, quero dizer algo para umas, outras quero apenas um sim. perdi algo, sim, perdi, mas não consigo saber. minha boca está seca, um bombeiro se esforça na simpatia, parece uma pessoa boa. talvez tenha uma familia esperando por ele. deve voltar sempre bastante cansado, mas feliz pelas coisas bonitas que faz.

o que eu tenho feito de bom? elevam-me e estou em movimento. maca. ah, o céu... ele está tão bonito que meu coração dispara. um outro bombeiro corre para me aplicar alguma injeção. tento lhe dizer que não, porque sinto meu coração como se estivesse apaixonado e há muito não o via assim. penso em alguém que vai me fugindo. não vá! me espera!

se eu sair dessa, quero jurar um monte de coisas boas das quais vou me orgulhar. e talvez alguém se orgulhe de mim também. minha cabeça inclina um pouco e sinto a lágrima de um olho cair no outro.

quero chegar logo.

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