sábado, junho 11

Faz frio em São Paulo

O vento que bate no meu rosto nessa noite fria de São Paulo tem a mesma cadência de outros ventos e batidas de épocas que ainda permeiam a lembrança. A mão continua enfrentando as baixas temperaturas, mas o rosto mesmo sucumbiu. Está gelado como todo rosto fica quando a estação pede. O pescoço desprotegido já anuncia a ida da voz. Meus olhos lacrimejam um pouco, é um principio. Penso se vale a pena tentar esquentar o rosto expondo as mãos quentes a esse mesmo vento suspeito. Fecho só um pouco os olhos e sinto saudades de raios de sol aconchegantes.

Da janela do ônibus, vejo as pessoas irem para suas casas. Presumo que queiram chegar em casa porque eu quero o mesmo. Já tive quem fosse uma casa para mim. Penso um pouco nela. Deve estar aproveitando a casa que construiu. Eu mesmo não pude ser uma casa. Um menino adianta-se e quase é atropelado. Há um medo maior que ser atropelado: o de não chegar em casa. Ouço gritos silenciosos de uma cidade que não se aconchega. Penso nela um pouco mais. Por que eu a havia deixado?

Desço no terminal. Preciso correr para pegar um outro que me levará enfim para casa. Durante a pressa, a cidade vai se acalmando. Estou só numa cidade que amo mas não me ama. É um fato pesado e quiçá desesperador. Mas eu não me desespero por estar só. Tenho pressa. Preciso pegar o ônibus. É o último. Vejo o motorista entrando, acendo. O bom homem me espera. Deve querer tanto quanto eu voltar para casa. Lembro-me de quando ela disse que me esperaria. Mas não esperou. E eu agradeci ao motorista sua cumplicidade. E me diz num tom mto gentil: vamos, está frio, alguém lhe espera.

E esse último ônibus me soa muito mais familiar, apesar de não conhecer ninguém que viaja comigo. A solidão tantas vezes representada nessas temperaturas, agora aparece só na lembrança dela. A imagem dela decidindo-se por outro me soa a mais gélida das noites. Dou minha face direta para o tapa do vento frio, dou minha face esquerda para o bejio da solidão.

E sei que quando chegar em casa não serei feliz. E sei também que chegando a primavera, outros ventos virão com a notícia de que serei.

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