sobre um muro inútil estão depositados algumas cartas. serão as mesmas que deixei quando parti? lembro-me de ter registrado a vontade de ficar e a suposta saudade que teria de tudo e de todos. estão todas elas, organizadas por ordem alfabética do remetente. não são as minhas, enfim. repasso os olhos nas letras e nomes de quem enviaram. e depois, leio o destinatário: sou eu mesmo.
há muito deixei de receber cartas ou qualquer tipo de mensagem com notícias sobre o bem estado. havia um pacto formado em que a falta de notícia era a notícia boa. são as notícias ruins que merecem a concretização das palavras; é o horror que deve ser descrito e informado.
eu fui me tornando uma notícia boa aos poucos. ao ponto de minha desintegração não ser percebida. o esquecimento não é total, fico assim como uma sensação. perco-me na noção de espaço e tempo. hoje resido em algum canto obliquo e pendente das memórias. mas serão más notícias estes papéis então?
os ventos se acalmam. o bloco de cartas que sempre ameaçava cair se estabiliza. penso se tenho o direito de abrir a carta. penso se sou a pessoa a quem haviam destinado as cartas. porque ler aquela notícia não fará diferença já que a minha matéria não interfirá nas decisões dos viventes.
abro, com uma respiração que pensava já ter me abandonado.
é de uma amiga que há muito não nos falamos. avisa-me do nascimento e agora batizado de seu filho. deu um nome parecido com o meu e por isso se lembrou de mim. convida-me para as festividades. vejo a data. muitas semanas, meses, anos.
a respiração que está me voltando traz também a caimbra e o cansaço. sento-me no murinho inútil e vou abrindo todas. abro muitas em um dia, mais que uma vida. vaga pela minha cabeça: saberia ainda escrever para responder? atravessaria a caneta a minha mão?
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