quarta-feira, setembro 5

. capítulo 3 : a janela .

as cartas me soam como veias abertas. mesmo que em vida nunca sentisse o sangue se sair com tanta agilidade, ao tirar as cartas de seus devido envelopes uma sensação esvaiçamento tomou-me conta. como se uma friagem me tomasse as calorias e a temperatura a baixar fosse sinal de que uma ventania está me levando, está me perdendo.

deito-me no chão do quintal. o muro inútil vai sumindo e se tornando ruina. alguém, em algum tempo prático, achou conveniente que fosse demolido para que entrasse mais um automóvel. vejo a porta de entrada em mancha desfocada. esforço-me: está fechada.

levanto-me com dificuldade. as roupas dos viventes em terra de viventes pesa uma vida. caminho até a porta, acerto: está trancada. penso em atravessá-la, mas primeiro preciso saber se há alguém em casa. vou até a janela.

peço que desperte. e a casa abre seus olhos. todas as janelas se abrem em vacilo primeiro e total despertar depois. a poeira marca as luzes solares. agora o calor da superfície da pele condena o frio das cartas abertas. é um inicio de sentir-se em casa, suponho. mas não consigo entrar.

passo por todas as janelas: a sala, os quartos, o corredor, o banheiro. não consigo penetrar nestas entranhas. o nervosismo me faz ainda mais pressa. não compreendo o segredo para a passagem para dentro. é minha casa ou foi. não há ninguém que se incomode. a casa está abandonada.

a casa está só. ouço um latido: é alikan.

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